Porquê fazer rastreio do Cancro Colo-Retal?

5 Agosto, 2021 | noticias

O CCR é uma doença frequente e grave, que pode matar. Mas é uma doença evitável que pode ser descoberta a tempo pelo rastreio

Nos países desenvolvidos do mundo ocidental, o carcinoma do cólon e do reto (CCR) apresenta elevadas taxas de incidência e mortalidade. É de longe o tumor maligno mais frequente do tubo digestivo e constitui a segunda causa de morte mais frequente por tumor maligno.

No global, cerca de 6% dos homens europeus e 4% das mulheres desenvolverão CCR até aos 75 anos.

Em Portugal, a incidência estimada de CCR é de cerca de 60/100.000 habitantes (mais de 6.500 novos casos por ano) e tem-se assistido, na última década, a uma elevação importante das taxas de mortalidade por CCR, representando atualmente a segunda causa de morte por doenças tumorais.

Estes dados mostram-nos que o CCR é um importante problema de saúde pública e que requer estratégias de prevenção e de tratamento adequadas.

No caso do CCR, existe ainda uma outra particularidade: a sequência de eventos da carcinogénese é um processo muito longo. Desde a célula normal, passando pelo adenoma, até ao carcinoma in situ e cancro invasor, podem passar-se muitos anos, mais de 7-8, em que os indivíduos se encontram assintomáticos, mas apresentam lesões facilmente detetáveis no intestino.

Não existindo uma boa estratégia para se realizar a prevenção primária, isto é, medidas que impeçam o aparecimento do cancro, os programas de rastreio são a forma mais eficaz de reduzir quer a mortalidade, quer a incidência do CCR.

Mais que o método de rastreio utilizado, importa essencialmente definir a metodologia a aplicar. De uma forma geral, existem duas grandes estratégias de rastreio que se podem utilizar, o rastreio oportunístico e o rastreio sistematizado de base populacional, com enormes vantagens para este último.

No rastreio oportunístico, limitamo-nos a oferecer um teste aos indivíduos que recorrerem a consultas médicas ou outros cuidados de saúde. Neste tipo de rastreio, não conseguimos controlar eficazmente a população rastreada e, é sabido, uma franja importante de pessoas recorrem muito pouco a cuidados de saúde e escapam sistematicamente ao programa.

Num rastreio de base populacional, é definida, à partida, uma entidade coordenadora, a população alvo e as formas de convocatória. Este tipo de rastreio é o único que garante igualdade de acesso a todos os indivíduos elegíveis e que permite aferição de resultados e adequação das metodologias.

Mais que o método de rastreio utilizado, importa essencialmente que se realize um rastreio de forma organizada e contínua. Os dois métodos, aceites e validados em rastreios de base populacional, são a pesquisa de sangue oculto nas fezes (PSOF), seguida de colonoscopia nos casos positivos e a colonoscopia direta.

No caso da PSOF, esta deverá ser realizada com periodicidade anual ou bianual e, no caso de opção por colonoscopia direta, a cada 5 ou 10 anos.

Os dois métodos têm vantagens e desvantagens: a simplicidade de execução, facilidade de implementação, ausência de efeitos adversos e os custos iniciais jogam a favor da PSOF, a acuidade de diagnóstico, a simplificação metodológica e os custos globais, a favor da colonoscopia.

Mas não é, de todo, o objetivo do artigo eleger um método preferencial para realização do rastreio CCR. O que é importante ressaltar é que ambos reduzem a mortalidade e a incidência de CCR e são custo-efetivos.

Em Portugal, no âmbito do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, a Direção-Geral da Saúde reconhece que a importância deste tema e coloca-o como uma necessidade premente, pela morbilidade e mortalidade associadas a estas neoplasias, sabendo-se que os programas de rastreio têm um impacto significativo na redução de incidência e de mortalidade.

Esta necessidade foi também já assumida a nível europeu, onde é preconizada a realização de teste primário com pesquisa de sangue oculto nas fezes, na população assintomática entre os 50 e os 74 anos e sem outros fatores de risco.

Nesta estratégia, aos doentes com pesquisa de sangue oculto positivo é proposta a realização de colonoscopia.

Em 2017, foi finalmente publicada a legislação que coloca como prioritários os rastreios organizados de base populacional, para as seguintes neoplasias malignas: CCR, mama feminina e colo do útero.

A estratégia proposta segue a recomendação europeia, com realização de PSOF de dois em dois anos, à população assintomática entre os 50 e 75 anos, seguida de colonoscopia nos casos positivos.

Cabe agora às diferentes estruturas de saúde, englobando as Administrações Regionais de Saúde e Centros Hospitalares, implementar essa estratégia. É isso que deve ser um desígnio das estruturas de saúde na região do Algarve.

Entre 2018 e 2020, iniciou-se o programa-piloto na região, permitindo rastrear cerca de 25.000 utentes com PSOF e realizar 500 colonoscopias. No entanto, o aparecimento da pandemia COVID veio interromper o desenvolvimento do programa. Urge, agora, recomeçar!

Por fim, e talvez a mensagem mais importante, devemos lembrar que o êxito que um programa de rastreio depende, mais que tudo, da adesão da população ou, dito de outra forma, o método mais completo e infalível de pouco serve se as pessoas não o realizarem.

Esse desiderato, conseguir uma adesão por parte da população depende do conhecimento, da consciencialização do problema e cabe a nós, profissionais de saúde, sabê-lo transmitir e informar.

O CCR é uma doença frequente e grave. O CCR pode matar. Mas, ao mesmo tempo, é uma doença evitável e, muito importante, para tal dispomos de um longo período tempo. Está apenas nas nossas mãos e vontades consegui-lo.

Autor: Paulo Caldeira é Médico Gastrenterologista, integra o Centro de Referência para o Cancro do Reto do CHUA e é Diretor de Serviço de Gastroenterologia do CHUA

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