Rastreio do CCR oferece não apenas a possibilidade de deteção precoce desta neoplasia, como também, e com maior importância, a prevenção da ocorrência de CCR
O cancro colorretal (CCR) é uma doença maligna frequente, quer no mundo, onde ocorrem cerca de 1.5 milhões de novos casos por ano, quer em Portugal, onde surgem cerca de 7000 novos casos de CCR por ano, sendo o 2º cancro mais frequente em ambos os sexos. Além disso, o CCR constitui a primeira causa de morte por cancro em Portugal, a segunda na Europa e a terceira em todo o mundo.
O rastreio do CCR é fundamental por duas razões principais: em primeiro lugar, porque permite a deteção do CCR em fase precoce, o que se associa a uma taxa de cura superior a 90%.
Por outro lado, e não menos importante, porque permite a remoção das lesões pré-malignas – os pólipos do cólon – através da colonoscopia com polipectomia. Assim, o rastreio do CCR constitui uma oportunidade única em Oncologia, no sentido em que é realmente possível prevenir a sua ocorrência. De facto, está amplamente demostrado que o rastreio do CCR conduz a uma redução da mortalidade e da incidência desta neoplasia.
Devido ao impacto que os programas de rastreio têm na redução da incidência e da mortalidade por CCR, a Direção Geral de Saúde (DGS) reconhece a necessidade e a importância do rastreio do CCR de base populacional no âmbito do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas.
Deste modo, a DGS implementou, em 2014, um programa de rastreio oportunístico do CCR, baseado na pesquisa anual de sangue oculto nas fezes (PSOF), utilizando o teste imunoquímico fecal (FIT) em todos os indivíduos entre os 50 e os 74 anos de idade, assintomáticos e sem outros fatores de risco (história pessoal ou familiar de pólipos do cólon ou CCR; síndromas hereditárias de CCR; doença inflamatória intestinal).
Nesta estratégia, quando o teste nas fezes tem resultado negativo, deve ser repetido ao fim de 1 ano. Quando o resultado é positivo, é proposta ao utente a realização de colonoscopia total, a qual deve ocorrer, idealmente, num prazo de 8 semanas.
Caso a colonoscopia total seja realizada em condições ótimas e tenha resultado normal, a mesma deve ser repetida apenas ao fim de 10 anos (desde que não surjam sintomas intestinais durante este período).
Seguindo a estratégia nacional de rastreio do CCR da DGS, salienta-se a concretização de um programa de rastreio oportunístico organizado entre as ACES do Sotavento Algarvio e o Serviço de Gastrenterologia do Hospital de Faro do CHUA durante os anos de 2018 a 2020 que, pese embora algumas dificuldades, demonstrou a exequibilidade da realização desta estratégia utilizando a capacidade instalada no SNS.
Existem outros métodos alternativos para a realização do rastreio do CCR, todos com vantagens e desvantagens relativamente à estratégia nacional proposta pela DGS.
Em particular, é lícita a realização de teste primário com exames endoscópicos (retosigmoidoscopia ou colonoscopia). Neste âmbito, foram já concretizadas algumas experiências-piloto a nível nacional, que encontraram como maiores fatores limitantes a adesão dos utentes e a capacidade de resposta dos serviços de Gastrenterologia do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Devido a estas limitações, a DGS reconhece a incapacidade de concretização de uma estratégia de rastreio primariamente baseada na realização de colonoscopia a todos os utentes abrangidos nos grupos-alvo.
Outras estratégias de rastreio incluem: a realização de PSOF anual e sigmoidoscopia a cada 5 anos; ou a realização de colonografia por tomografia computorizada (vulgo TAC) ou videocápsula endoscópica do cólon a cada 5 anos. Se, numa destas alternativas, for encontrado pelo menos um pólipo do cólon, a realização subsequente de colonoscopia com polipectomia é mandatória.
O que importa salientar, no entanto, é que, qualquer que seja a estratégia utilizada, o que é essencial é RASTREAR. Apenas pelo rastreio do CCR poderemos almejar a prevenção do CCR e a redução do número de novos casos. Para que estes resultados sejam conseguidos é preciso, pois, RASTREAR.
E para que o rastreio seja implementado com sucesso na comunidade, é necessária uma estratégia de empenho e motivação a três níveis:
1 – População – é importante aumentar a literacia em saúde da população, por meio de campanhas de educação, motivação e promoção da adesão ao rastreio com esclarecimento e desmistificação de medos e receios, nomeadamente acerca da colonoscopia e polipectomia – o qual é um exame seguro, desde que realizado em centros idóneos e por profissionais experientes.
2 – Cuidados de Saúde Primários – é importante que os Médicos de Família proponham ao utente a realização do rastreio do CCR e tenham a formação necessária que lhes permita esclarecer o utente acerca das modalidades disponíveis, vantagens e desvantagens relativas e responder às dúvidas colocadas pelo utente.
3 – Estado – é importante o investimento no rastreio do CCR de base populacional como estratégia de prevenção da ocorrência de novos casos de cancro e, deste modo, conseguir a redução de custos inerentes ao tratamento do doente com cancro.
É fundamental dotar o SNS de equipamentos de endoscopia de alta resolução, conforme as recomendações internacionais para o rastreio do CCR.
Adicionalmente, conforme alertado pela Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia em Fevereiro de 2021, é fundamental a implementação de um programa de rastreio específico para a recuperação dos exames não realizados durante o ano de 2020 devido à pandemia por SARS-CoV2.
Em conclusão, o rastreio do CCR oferece não apenas a possibilidade de deteção precoce desta neoplasia como também, e com maior importância, a prevenção da ocorrência de CCR.
É, por isso, fundamental a implementação e a adesão da população ao rastreio do CCR. Qualquer que seja a modalidade de rastreio escolhida, o importante é RASTREAR.
Autora: Helena Tavares de Sousa é Médica Gastrenterologista do Centro de Referência do Cancro do Reto – Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA)
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